Quem jogou BlazBlue: Calamity Trigger, lançado em 2008 nos Arcades e ano passado nos consoles HD da geração, provavelmente teve uma sensação de déja vu. Não é à toa: os personagens bizarros, o cenário colorido e a OST regada a Heavy Metal são todos heranças de Guilty Gear, nascido em 1998 no PSX e da mesma equipe criativa. Com a perda dos direitos autorais de GG para a Sega, os esforços da Ark Systems se voltam para sua nova série, e este ano, temos BlazBlue: Continuum Shift, uma tradicional sequência com mais personagens, rebalanceamento do sistema de jogo, mais modos e uma história nova.
Dizer que BB é uma “sequência espiritual” de GG talvez seja diminuir a situação. BB exala GG em cada canto de sua existência. Graficamente, isso é visível no design original e estranho de seus personagens e no show de luzes que acompanha cada partida. CS continua tão impressionante quanto CT, com personagens muito detalhados com roupas que se movem de maneira convicente e animação extremamente fluida – vejam, por exemplo, a maneira como Hazama se move por todo o cenário usando seu Ouroboros ou o cachecol de Bang Shishigami, definitivamente impressionantes. As luzes são um show à parte, aparecendo com cada colisão de golpes e sendo quase exageradas durante os Distortion Drives. Os belíssimos cenários de CT estão de volta, e são acompanhados de alguns novos .
As novidades, claro, não ficam por conta apenas dos cenários. Todo o elenco de CT está de volta, rebalanceado e acompanhado pelos 3 novatos Tsubaki Yayoi (uma amiga de colégio de Noel e Jin), Lambda-11 (precursora de Nu-13) e Hazama (Yuuki Terumi, se vocês se lembram do modo história de CT). Além destes, ainda temos, com exclusividade para os consoles, mais 3 personagens: Makoto, Platinum e Valkenhayn, todos por DLC e, no momento, com apenas Makoto disponível. Mais ainda, e de forma também exclusiva para PS3 e 360, temos Mu-12 (o verdadeiro “final boss” do modo história), elevando o número de combatentes para 18 personagens únicos (Nu-13 sendo a versão Unlimited de Lambda-11), satisfazendo uma das maiores críticas a CT e seu elenco um tanto escasso.
Há de se notar que quando se fala em “único”, BlazBlue leva ao pé da letra. Não existem dois personagens sequer vagamente semelhantes, cada um tem características exclusivas, e isso se estende até mesmo a personagens que você imagina que deveriam ser parecidos, como Mu-12 e Lambda-11. Enquanto personagens de jogos de luta costumam se diferenciar basicamente em seus Golpes/Velocidade/Dano/Energia, BB leva isso um nível além, fazendo da barra de especial, que costuma ser comum a todos os personagens nos jogos do gênero, imprimir funções diferentes a cada lutador. Rachel, por exemplo, pode fazer o vento mudar de direção com seu Drive, Silpheed, que possui uma barra separada em cima da de Heat. Hakumen, diferentemente de todos os outros personagens, carrega seu Heat automaticamente, mas este é dividido em 8 partes ao invés do básico de 2, e cada um de seus golpes usam de 1 até os 8 segmentos da mesma. Tsubaki usa seu Drive para carregar seus ataques, com uma barra de estoque acima do Heat. Bang Shishigami tem outra barra especial que carrega com seu Drive, sendo pré-requisito enchê-la para ativar seu Fu-Rin-Ka-Zan. A bem da verdade, apenas Ragna, Noel, Litchi e Lamba/Nu possuem uma barra “normal”, e ainda assim, Ragna ganha uma barra de duração para seu Blood Kain. Guilty Gear, com o passar dos anos, foi adicionando mais e mais excentricidades à barra de especial, mas o que BB faz é decididamente maior – e melhor.
Herança de GG também é a trilha sonora. Seguindo os passos de seu predecessor, os temas de BB são oriundos de Heavy Metal e Hard Rock, com batidas em geral rápidas e guitarras altíssimas. Excelente para quem gosta do gênero, mas pode ficar cansativo a quem aprecia a batida mais Techno de Tekken ou Street Fighter. A dublagem, por outro lado, deve agradar a todos. Enquanto a versão japonesa conta apenas com as vozes locais, a versão americana traz dublagem bilíngüe, ficando ao gosto do freguês. É de se esperar que dublagem oriental seja ótima, mas a americana não deixa a desejar. Enquanto os dubladores não sejam muito conhecidos do grande público, apreciadores de JRPGs, podem reconhecer vozes como a de Patrick Seitz, dublador de Ragna (que dublou também Brahms em Valkyrie Profile: Silmeria) ou Doug Stone, em sua suprema interpretação de Hazama (não negando a semelhança entre seu personagem em BlazBlue e Gin Ichimaru, de Bleach, também dublado por ele em todas a ssuas encarnações). A atuação é muito boa, e com as pequenas coisas que os personagens conversam entre si durante as batalhas, é possível dizer que tornam o jogo mais agradável.
A quantidade de modos também não deixa a desejar. Trazendo alguns exclusivos da versão CT de PSP, temos os tradicionais Arcade e Story, com a adição de Score Attack, Legion e os temidos Challenges, no melhor estilo Street Fighter IV. Arcade dispensa apresentações: você escolhe um personagem e segue em uma série de 10 lutas que culmina na batalha contra Unlimited Hazama/Ragna, dependendo do personagem escolhido.
O Score Attack é uma espécie de Arcade mais difícil, com inimigos de IA melhorada e terminando com batalhas contra versões Unlimited de Hakumen, Ragna, Hazama e Rachel, e é utilizado para destravar versões Unlimited dos personagens. Legion é um modo bem diferente, em que você escolhe um personagem inicial e tem que vencer todas as batalhas de um mapa, adquirindo novos personagens para seu grupo com sua progressão. São 3 dificudlades, e terminar o mapa em todas é exigência para os caçadores de troféus.
Os Challenges, como dito, são o esperado: você escolhe um personagem e vai a um modo de “treino” para aperfeiçoar suas técnicas com os combos gigantescos que o jogo lhe pede. Enquanto os dois primeiros challenges de cada personagem são simplesmente para se familiarizar com os golpes e especiais, todos do terceiro em diante ao de combos, cada vez mais difíceis e complexos.
O modo história fornece uma exposição maior aos eventos do mundo de BB, e cada personagem possui vários finais, sendo, em geral, um final ruim, um final cômico e o final verdadeiro. Os finais cômicos merecem destaque como uma quebra da seriedade que em geral permeia a história, com situações realmente engraçadas (como Ragna ser chamado de “lolicon”) e que, não raramente, evocam comparações com Guilty Gear (Tsubaki até exige não ser comparada a Order Sol!). Infelizmente, como quase tudo que envolve realidades paralelas e viagens temporais, o enredo por vezes fica confuso, em especial quando 2 finais “verdadeiros” de personagens diferentes contradizem um ao outro. O jogo parece um tanto quanto satisfeito de dizer que isso é possível por causa do Continuum Shift (pegou?), mas continua aparentando ser mais falta de cuidado que algo intencional.
Entretanto, é pouco provável que você pense em comprar CS ou qualquer outro jogo por causa de seu enredo. Claro, é sempre bom, até para adicionar carisma aos personagens, existir alguma motivação por trás da pancadaria, e BlazBlue é até louvável por abandonar o manjadíssimo esquema de “torneio-do-mais-forte-que-de-alguma-forma-é-a-solução-de-todos-os-problemas”. Não, não. O coração de qualquer jogo de luta é seu gameplay, e é aqui que BB brilha de verdade. Os combates estão num nível técnico/frenético que fica bem no meio de Street Fighter e Marvel VS. Capcom. O básico vocês já sabem: lutas de 1 contra 1, em partidas de 1 a 5 rounds (chamados de “Rebels” aqui), que você vence ao esvaziar a barra de energia do adversário ou ao possuir mais energia que ele quando o tempo se esgotar. Enquanto o estilo é praticamente o mesmo de CT, CS recebeu algumas implementações em relação a seu predecessor que deixam as lutas mais equilibradas.
O sistema de Guard Libra de CT foi completamente abandonado em função do novo Guard Primer. Como se pode ver nas imagens, cada personagem possui, abaixo de sua barra de energia, um medidor com ícones dourados. Esses ícones são chamados de “Primers”, e cada personagem possui uma certa quantidade: personagens mais resistentes como Iron Tager possuem 10, enquanto a frágil Noel possui apenas 4. Com o uso de ataques com propriedade de “Guard Break” (o golpe Gale, de Jin, vem à mente), os Primers vão sendo depletados, e quando se esgotam, o personagem entra em Guard Crush, recebendo 50% a mais de dano.
O Barrier Burst foi substituído pelo Break Burst, que vem de duas formas: um dourado para ataque e um verde para defesa. Cada personagem começa com um Burst, e adquire outro ao perder um round (para um máximo de 2 por vez). O Burst ofensivo permite a criação de combos que não seriam possíveis de outra forma, enquanto o defensivo interrompe o combo do inimigo à custa de metade de seus Primers, não permitindo regeneração. Mais ainda, é necessário pelo menos um Burst para se executar os Astral Finishes.
Astral Finishes são herança dos Destroyed de Guilty Gear, e funcionam quase da mesma forma que em CT, mas com alguns requerimentos diferentes. É necessário estar no seu Match Point, com o inimigo com menos de 35% de energia, barra de Heat em 100% e um Burst não usado. Conectando-se o Astral Heat, o personagem desfere um super-ataque que termina definitivamente a luta. Os personagens antigos continuam praticamente com os mesmos Astral Heats, enquanto os novos são ainda mais esdrúxulos – procure o Astral de Makoto e confira por você mesmo.
Seria ótimo poder dizer que o sistema de BlazBlue é “simples de começar e difícil de masterizar”. Isso não poderia, porém, ser o mais longe da verdade. BlazBlue é bastante complexo, e se você pretende começar sem passar pelo tutorial antes, a probabilidade de você ser dolorosamente surrado pela IA ou pelos outros jogadores online é tremenda. O multi local é excelente, como seria de se esperar de um jogo desse porte. Beneficiando-se da instalação, o Loading ainda é bem rápido, com o tempo apenas de se ver quem vai lutar com quem. O modo online, por outro lado, tem seus altos e baixos.
Buscando evitar o famigerado “boosting”, tão prevalente em CT, a Ark Systems mudou um pouco a forma como os Ranked Matches acontecem. O autor não foi feliz em nenhuma partida de Ranked Match: o matchmaking foi demorado, o ranking do oponente era muito mais alto e o lag beirava o insuportável. Talvez isso tenha até diminuído o boosting, mas esperar CINCO minutos para UMA partida com lag tenebroso é fora de cogitação. Por outro lado, o Player Match foi o completo oposto. O autor criou uma sala com 6 slots, em que 2 pessoas lutam enquanto as outras 4 podem ficar observando (com o perdedor indo pro final da fila ou outra regra que o host escolher). De todas as vezes que o autor usou o sistema de Player Match, em nenhuma houve lag, e os oponentes apareceram muito mais rápido – ainda que estivessem em nível muito superior. Para os platinadores de plantão, o Player Match também serve para boosting, o que nos faz questionar o que a Ark Systems fez com o modo Ranked. Com o Ranked Match sendo necessário a apenas um troféu, o autor recomenda que você faça logo as 100 lutas em Ranked para poder aproveitar toda a glória online de CS no modo Player, vastamente superior (além de ser customizável E poder jogar com os amigos).
Continuum Shift é uma tremenda sequência para um tremendo jogo. Com uma mecânica única para cada personagem e um design excelente, CS é um sucessor digno tanto para CT quanto para Guilty Gear. Existem pequenas ressalvas ao modo online, mas não é nada que atrapalhe a experiência total do jogo. Recomendadíssimo a todos os fãs de jogos de lutas.